 Objectif Sciences International: um estágio Leonardo em França
Objectif Sciences International: um estágio Leonardo em França  
Viver
 algum tempo "no estrangeiro" é uma experiência muito interessante, 
porque nos permite confrontar os nossos hábitos de vida e métodos de 
trabalho com modos diferentes de ver e viver as coisas. E sobretudo, 
fugir dos vícios da "Portugalidade" e aprender a relativizar o nosso 
sistema de valores.
Fazer um estágio em França não é a mesma coisa que fazer um estágio
 no Congo ou em Xangai. É claro que há muita familiaridade entre 
Portugueses e Franceses - à conta da emigração, da influência francesa 
na cultura portuguesa desde o Século XIX, etc. E porque, apesar de tudo,
 estamos todos no mesmo continente, que não é tão grande como isso.
Senti-me em casa em França. Acho que há mais coisas em comum entre 
Portugueses e Franceses do que entre Portugueses e Espanhóis, por 
exemplo. O clima é moderado, as pessoas são reservadas e educadas e a 
vida parece tranquila - sobretudo no campo, onde se situa o escritório 
da organização de acolhimento.
Tem Cuidado Com o Que Desejas

Antes
 de fazer um estágio na OSI e consultando o site da organização, fiquei 
com a impressão de que esta ONG fazia coisas muito interessantes e que 
me interessavam muitíssimo - sobretudo ligadas à divulgação e 
popularização de ciência para populações juvenis. Excelente - é mesmo 
isto que queria!
 
Mas o trabalho que se faz no estágio, dependendo da vocação e 
capacidades de cada um, é sobretudo administrativo: traduções, edição de
 sites, contactos telefónicos, pequenas tarefas repetitivas, para as 
quais os funcionários principais da OSI não têm tempo e que ficam 
reservadas para os estagiários. Mas estejam descansados, ninguém aqui 
usa estagiários para tirar cafés ou fazer fotocópias; a primeira 
ferramenta de trabalho que vos exigem é o vosso cérebro.

Há muito trabalho para fazer e as ideias circulam; se a vossa ideia é fazer turismo e passar um bom bocado...pensem duas vezes.
 
É
 claro que há tempo para fazer turismo. Ir passear um bocadito, conhecer
 os sítios, provar queijos e vinhos e isso tudo. Mas três meses passam a
 correr e se não aproveitam o tempo para fazerem contactos, trocarem 
ideias, desenharem projectos para o futuro, conhecerem e aprenderem mais
 e mais...será um desperdício.
Ao contrário do que acontece em Portugal, os horários laborais são 
respeitados. Se entram às 9, saem às 5. E se ficarem mais meia-hora a 
despropósito, as pessoas olhar-vos-ão com estranheza e perguntar-vos-ão 
se está tudo bem. Os horários são para cumprir: nem pensar em chegar 
atrasado para o que quer que seja - mas ninguém nos obriga a fazer horas
 extraordinárias só porque sim - desde que o vosso trabalho seja bem 
feito e dentro do prazo, claro. Enfim: gente civilizada e que trabalha 
como deve ser.
Carreira? Qual Carreira?
Os 
estágios desta natureza servem sobretudo para trazer mão-de-obra 
rotativa para estas ONG's, com o apoio da União Europeia. São 
organizações pequenas, com poucos recursos e se esperam arranjar um 
emprego aqui a seguir ao estágio...têm de ser muito, muito, muito, muito
 competentes e interessantes, ao ponto da organização vos propor que 
continuem por aqui. Não há dinheiro para salários continuados, para lá 
da equipa nuclear. Desolé.

Há todavia a oportunidade de se inscreverem nas formações de 
Educadores Científicos da organização e que podem resultar num trabalho 
sazonal como educador(a) nos muitos campos de férias científicas que a 
organização promove na primavera e no verão. E quanto à língua, não há 
problema; o Francês e o Inglês são um requisito fundamental, claro, mas 
há campos de férias para jovens de países lusófonos, anglo-americanos, 
hispano-falantes, francófonos e até japoneses e chineses. Mas os campos 
de férias científicas, apesar de não serem mal remunerados para os 
padrões portugueses, são temporários. No fundo, são pequenos trabalhos 
de Verão, muito intensos. Apesar de se trabalhar durante 15 dias com 
miúdos de várias idades, há que preparar as formações muito tempo antes,
 seguindo um calendário e orientações pedagógicas muito rigorosas e a 
seguir aos campos, há que fazer a avaliação, balanço e relatórios, para 
corrigir problemas, evoluir no trabalho e aperfeiçoar os resultados. É 
trabalho muito interessante, mas muito exigente - e não é qualquer um 
que está preparado para ensinar, com sensibilidade e bom-senso. Se 
gostam de desafios que dão insónias, este é o sítio certo.
 
No País das Baguetes: Cuidado Com os Esteriótipos

Viver
 em França não é difícil. Ao contrário da imagem popular dos Franceses, 
as pessoas são simpáticas. Muito simpáticas. Às vezes, demasiado 
simpáticas. Toda a gente nos diz "BONJOUR!" com um tom alegre e cantado -
 e quando te despedes na mercearia depois de encheres os sacos de 
baguetes e vinho das Sauternes de Landes, toda a gente te canta "BONNE 
SOIRÉE!", com um sorriso. É no mínimo, perturbante. Como se estivesses 
num filme musical da Disney.
 
Algo como isto.
E
 toda a gente fará questão de te dizer, sobre a imagem externa dos 
Franceses como pessoas antipáticas e mal-educadas, que esses são os 
Parisienses. E os Parisienses, como todos repetem, são "umas bestas".
Algumas recomendações práticas: metam as baguetes no congelador e 
descongelem o pão para o dia seguinte. Não sei que diabo é que eles 
metem na massa do pão daqui, mas no dia seguinte, a baguete está dura 
como rocha e perfeita para pregar pregos, fazer pequenas obras em casa 
ou fazer parte do equipamento padrão da polícia anti-motim (que aqui se 
chama CRS).

Outra recomendação: tragam café Delta de casa se tiverem espaço na 
bagagem. Deixem-me repetir: tragam café português, tragam café 
português, tragam café português.
 
Os Franceses gostam de 
repetir à exaustão que a civilização ocidental foi salva pelo Carlos 
Martel na batalha de Poitiers no ano 732 DC. É mentira. A civilização 
ocidental foi salva no dia em que os Italianos e Portugueses tiraram a 
primeira "bica" como deve ser. O café em França é caro, mal tirado e 
sabe a água de lavagem de carros. Se gostam de café, é trazê-lo da 
Península, porque aqui, é a barbárie. De resto, eles safam-se 
moderadamente no queijo e no vinho. E têm cozinha francesa, que não é má
 de todo, mas melhora conforme vamos avançando para o Sul. No Norte da 
França, a cozinha resume-se praticamente a blocos de manteiga, com uns 
pozinhos de outros ingredientes para disfarçar. Sobretudo batatas. A 
batata é omnipresente; este país é obcecado por batatas e se o Euro 
rebentar, não tenho muitas dúvidas que a batata será a primeira escolha 
para ser usada como moeda...
Simpáticos, Mas Careiros

O custo de
 vida em França é praticamente igual ao de Portugal. As casas de aluguer
 em espaços urbanos andam pelos mesmos preços, as portagens, bilhetes de
 comboio e autocarro, supermercados, água, telefone, electricidade ou 
Internet, idem aspas. A única coisa que é de facto mais cara é a 
restauração: jantar ou almoçar fora aqui pode ser duas a três vezes mais
 caro do que em Portugal, dependendo dos sítios. De resto, os preços são
 idênticos, com uma diferença importante: ninguém aqui ganha abaixo do 
salário mínimo Francês, que é mais ou menos 1200 euros. Deixem-me 
escrever por extenso: mil e duzentos Euros. Por isso, se nas vossas 
voltinhas no LIDL virem pessoas muito mal vestidas a comprarem Foie-Gras
 e Trufas de Perigord, com umas quantas garrafas de Champagne Moet &
 Chandon para empurrar, não se admirem, porque é mesmo assim: os 
Portugueses são pobres, porque não protestam, nem batem o pé como os 
Franceses. Mas esperem pela pancada; por cá já se começam a fazer sentir
 os efeitos da desindustrialização, da queda do consumo e a precarização
 do trabalho e compressão dos salários avança com pezinhos de lã. Apesar
 de estar mais protegida do que os países do Sul Europeu, a França vai 
sentir a crise bancária mais tarde ou mais cedo.
 
Das Coisas Boas: Picar o Cérebro
O 
local de trabalho reflecte a ética da ONG. O escritório é minúsculo, 
está em obras, mas é todo feito sob princípios de arquitectura 
sustentável - está construído com materiais biodegradáveis ou 
recicláveis, com bom isolamento e eficiência térmica e energética. 
Madeira, palha (sim, palha, é um bom isolante), lã-de-rocha e painéis de
 aglomerado de madeira tornam o local muito agradável, faça calor ou 
frio. Todo o terreno que rodeia o escritório tem vinhas e campos de 
cultivo onde se pratica permacultura e estão ausentes pesticidas ou 
herbicidas sintéticos. Portanto, a organização não prega ecologia, 
sustentabilidade ou conhecimento científico em vão: pratica-os todos os 
dias.

A única coisa que me faz comichão é que todos os 
computadores do local correm sobre Windows, o que como utilizador de 
GNU/Linux e defensor de uma cultura e economia "Open Source", me faz 
alguma confusão - sobretudo porque eticamente  é o que faria mais 
sentido numa organização desta natureza. Mas como consigo fazer correr 
sistemas GNU/Linux a partir de uma pen usb, posso trabalhar no meu 
próprio sistema em qualquer máquina, portanto, sinto-me muito à vontade.
 
Há que praticar o Francês, que é a língua dos nativos e a língua de
 comunicação entre as pessoas dos estágios e do escritório. Se não 
estiverem muito à vontade, não faz mal, toda a gente fala Inglês e de 
vez em quando os diálogos adaptam-se, para que toda a gente se entenda, 
mas recomendo que pratiquem o Francês tanto quanto possível, porque é 
uma boa oportunidade para praticarem a língua em imersão total.

Todos os sites da organização (e são muitos e 
multilingues) são feitos com a plataforma CMS "SPIP", que é muito 
conhecida e utilizada em França e países Francófonos, mas muito pouco 
conhecida fora desse universo. De facto, não a conhecia de todo, mas 
após a primeira semana revela-se muito fácil de compreender e utilizar, 
sem grandes problemas.
 
De resto, para quem gosta de ciência e divulgação científica, 
dependendo das pessoas com quem falamos (sobretudo nas formações da OSI,
 onde se reúnem pessoas de vários países, com formações completamente 
diferentes), podem estabelecer-se diálogos, trocas de contactos e 
conversas muito interessantes sobre muitos temas. Mas para isso tem de 
haver de facto interesse e uma postura pro-activa. Se vierem para fazer 
turismo, também podem, mas...meh. Não é a coisa mais interessante que 
podem fazer com este estágio. Se tiverem ganas de saberem coisas novas, 
de estimularem o cérebro, de aprenderem como viver de modo diferente, de
 saberem mais e mais...esta pode ser uma boa oportunidade, se souberem 
estar atentos.