23 outubro 2020

O testemunho final do Martin (Biblioteca Natália Correira)

 

Depois de terem passado os primeiros meses do projeto, a minha vida, e a da maioria das pessoas, virou-se a um cenário de incertezas e de angústias. Começou a propagação mundial de um vírus que nos obrigou a pôr os travões, a olhar à nossa volta, e a vermos na nossa verdadeira escala: seres que dependem da natureza, das relações, do ar, do movimento, dos sorrisos...; começavam assim os meus meses de confinamento, que supuseram uns meses de muitas aprendizagens, onde sem estar fisicamente na biblioteca, continuei a ser parte dela. Voltei a sentir que deixei o meu lugar, o espaço onde começava a sentir-me em família, como já tinha feito uns meses antes ao tomar a decisão de deixar Madrid e começar esta viagem. O destino levou-me a uma pequena vila do sul de Portugal, onde a minha companheira tinha crescido, e onde eu começaria a crescer, com dúvidas, com ansiedades, mas com a certeza de que as coisas iriam melhorar. No início senti-me desligado do lugar, parecia-me irreal ter passado de viver em Lisboa, no centro da cidade, a uma vila onde podia dar passeios de várias horas, perto da natureza. Se calhar foi o medo do desconhecido, de me enfrentar a um novo lugar na minha memória. Com o passar dos dias comecei a crescer e a sentir-me parte daquela paisagem. Fazia longas caminhadas enquanto pensava no que estava a acontecer na minha vida, em Portugal e no mundo inteiro. Pensava e agora tenho saudades daquela liberdade de seguir em frente por um caminho e deixar que a mente acompanhe o passeio com o ritmo dos meus passos.

 



Nestes meses continuei a ensinar espanhol desde o ecrã, mas também partilhava a experiência de estar neste lugar: o clima, a comida, as pessoas..., e as alunas davam-me a informação de como estava Lisboa, pelo que ainda a mantive presente. Passados esses meses, finalmente voltei a Lisboa. Queria voltar a esta cidade que decidiu acolher-me. Queria partilhar tempo com os colegas voluntários, andar pelas suas ruas, sentir-me novamente parte dessa vida de cidade. Mas o Martim que tinha voltado já era outro. Nesses meses no Sul aprendi que o que me faz bem é olhar árvores no horizonte e não prédios, que andar é melhor que apanhar o metro, e que o ar limpo é das melhores coisas que podemos ter de graça e que mais bem nos faz! No entanto, voltei para a biblioteca com muita ilusão, apesar de não ser o espaço de que eu lembrava: agora sem a possibilidade de ter pessoas lá dentro, com atividades, com crianças brincalhonas e conversas engraçadas. Mas, destas últimas semanas na biblioteca aprendi uma coisa que é mesmo boa: aproveitar a liberdade que temos, não esperar as limitações para valorizar quanto é que nos podíamos mexer.


 

Obrigado Portugal, obrigado São Bartolomeu de Messines, obrigado à minha companheira e à sua família. Obrigado equipa da Spin e da biblioteca. Neste ano aprendi tanto que ao olhar para trás parece que foram muitos mais meses desta experiência. Portugal agora é a metade do meu coração e com certeza voltarei a viver e a aprender mais neste incrível país.

 

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