“Can I ask you something?" é um projecto internacional e inter-geracional que tem como principal temática a democracia e participação activa na sociedade. Aqui fica o testemunho de um dos participantes do encontro que decorreu de 25 a 28 de Outubro, em Pádua, na Itália.
Cinco minutos depois da hora marcada, estava eu a chegar junto da rodinha composta em frente ao guichet da TAP, e já estava a Alice a vasculhar a Portela à minha procura. Fui o último a chegar, desfeita inimaginável para um grupo que se queria livrar das malas, comer qualquer coisa, e ansiar pela descolagem. Tratadas as burocracias – fossem as logísticas ou as fisiológicas – reunimo-nos, ainda meio hesitantes e caladinhos, um pouco ensonados, na porta de embarque. Passadas escassas horas aterraríamos em Veneza, onde ficaríamos uns meros minutos, que o destino era Pádua e os nossos companheiros já nos esperavam. Na casa comunitária, comemos um bom panini, instalámo-nos nos quartos devidos e tudo entrou na normalidade. Estávamos prontos para o que nos esperava.
Os nossos colegas italianos fizeram a sua PPPPresentation, ou PPPPPresentation (não estou seguro quanto ao número de Ps). Falaram-nos de Pádua, do Programa, do Projecto, dos Promotores e de tudo o resto que precisávamos de saber para que as actividades começassem. Trocámos algumas questões, impressões e deixámos o resto para o dia seguinte. O que nos esperava a seguir era a experiência (desagradável para a maioria) de um spritz e uma outra (fantástica para todos) de comer uma típica pizza italiana.
Sexta-feira começou com as actividades propriamente ditas. O grupo, todo junto, discutiu os temas da democracia e da participação, num plano mais abstracto, e as questões específicas do projecto: como se divertem os jovens, como interagem com os mais velhos e como tudo isso pesa na avaliação da qualidade da democracia. Afinal, democracia também se define pela harmonia entre a população, e um conflito geracional pode feri-la. De seguida, e em grupos mais pequenos, discutimos os problemas com mais detalhe. Era preciso saber quais eram os pontos positivos e os pontos negativos de bairros com bares e diversão, pensar nas variáveis a equacionar, perceber a necessidade de uma solução.
Claro que tudo era feito ali, num grupinho de gente nova que faz parte do «problema». Faltavam ali os outros, todos os outros, e as suas visões. Para que compreedêssemos isto, de tarde, e depois de um almoço tipicamente italiano regado pelas bênçãos de S. Pedro que sempre nos ensopam a meia, fizemos uma dinâmica de grupo em que a cada um foi dado um papel para representar. E estavam lá todos: os donos dos bares, os donos das lojas, os jovens, os velhos, os polícias e os políticos. E todos, durante uma hora, discutimos fingindo um problema que assola as vidas tanto de Pádua como de Lisboa: o de conciliar as formas de diversão dos jovens com as necessidades de descanso dos que moram nos bairros de diversão. Como numa típica assembleia, as propostas surgiram, as reivindicações também, ânimos exaltaram-se e alguns remédios foram escolhidos. Ao contrário das típicas assembleias, no fim, tudo ficou bem.
Depois de tanta discussão, a fome apertou e a hora do aperitivo italo-português (ou luso-italiano, conforme as preferências) chegou. De um lado da barricada, chouriço assado, azeitonas, queijos, vinhos. Do outro, tomates secos, azeitonas, alcachofras, vinhos. A meio, e porque na verdade não somos assim tão diferentes, tudo se misturou e já mal se percebia o que era português ou italiano. No fim de tudo, alinhadamente sentados, assistimos atentos ao vídeo que resultou das entrevistas feitas nos projectos. Nele, novos e velhos, com mais ou menos graça, com mais ou menos reflexão, respondiam a perguntas sobre a democracia, a vida da cidade, a vida dos jovens. Ficou clara a dicotomia, ficou clara a necessidade de criar pontes. E o projecto, afinal, propôs-se a ser pouco mais que essa ponte.
A manhã seguinte foi a do sumário. Reunimo-nos em grupos para que, de forma muito mais concreta, surgissem soluções. Recolheram-se casos de outras realidades, pensou-se na sua aplicabilidade e na forma de concretização. Foi um exercício útil para que se percebesse que realidades diferentes pedem soluções diferentes – afinal, se todas as cidades e todos os povos fossem iguais, não havia necessidade de tanta arte e engenho. Findo o exercício, refastelámo-nos num banquete de panini e fomos todos juntos a Veneza, aproveitar uma tarde inesperadamente agradável.
O regresso, no domingo seguinte, foi atribulado. Pelo sentimento de saudade a brotar e pelas dificuldades acrescidas graças a greves de transportes e atrasos de aviões. Felizmente, todos chegámos bem, mais completos e mais complexos. Fizemos amigos, divertimo-nos e, mais que tudo, pensámos e fizemos pensar. E na memória traremos sempre os dias de Pádua, em que, por uma vez, e pela mão de uma mão-cheia de jovens, duas cidades discutiram formas de se melhorar. Muito mais não podíamos pedir.
Tiago Moreira Ramalho
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