27 setembro 2017

O testemunho da Maria

Um ano da vida só parece muito antes de começar. Depois passa em piscar de olhos. A minha experiência SVE está quase a acabar. Valeu a pena? Valeu! 

Antes de chegar ao Portugal, o meu estado podia ser descrito pela letra da música de Peggy Lee “Is that all there is?”

Tinha um bom trabalho, um namorado, uma casa, amigos, mas sentia-me como se constantemente remasse contra a maré. Então, a vida adulta é isso? – perguntava a mim mesma e ficava cada vez mais frustrada. 

Depois vim a Lisboa e... mudou tudo. 

No primeiro momento o sentimento foi de pura felicidade: “O meu Deus, estou aqui, na minha querida cidade de Lisboa!” Foi o sentimento de liberdade, de possibilidades sem fim. Ainda não havia rotina, podia moldar os dias duma forma completamente diferente e conforme as minhas necessidades. 


No segundo momento dei-me conta como mudou a minha atitude em relação às pessoas. A irritação foi substituida pela curiosidade. Não conhecendo todos os códigos culturais, deixei de julgar as pessoas que encontrava na rua, nos meios de transporte, no trabalho. Eram apenas seres humanos, diferentes de mim e por isso interessantes. O meio social, educação, convicções, tudo isso deixou de ter qualquer importância. 

A partir do terceiro momento começou a aprendizagem à sério. Houve altos e baixos, mas sabia que, como cantou Gloria Gaynor, “I will survive”.

Havia momentos quando senti-me mal psicologicamente e fisicamente (malditas mal aquecidas casas portuguesas!). Havia momentos quando voltava da Junta com dores de cabeça de tanto me esforçar para acompanhar longas reuniões sobre assuntos até então desconhecidos. Havia momentos nos quais questionava as minhas maneiras de trabalhar, que até então tinham funcionado para mim, mas neste novo contexto estavam inúteis. E os momentos mais frustrantes eram aqueles em que sentia- me incapaz de me expressar plenamente. A solidão, o sentimento da isolação, a superficialidade de contatos, tudo isso faz parte da experiência SVE. E tem também as suas consequências físicas. A maioria dos voluntários ao passar pela inevitável crise psicológica, luta também contra o seu próprio corpo (que reage duma forma violenta contra as mudanças do clima, novos habitos alimentares, etc.) 


Felizmente a experiência SVE não é só doenças e mal estar. O corpo cura com o tempo à medida que se descobre novos modos de pensar, novas maneiras de resolver problemas, de trabalhar, de se comunicar e, pouco a pouco, cria-se novos laços, novas amizades, novos costumes. 

Quais então são as minhas conquistas deste ano? Tendo como coordenador o Eduardo, Técnico do Gabinete de Desporto e Juventude, sempre cheio de trabalho, decidi ser a mais independente possível. E isso soube-me muito bem. Criou-se entre nós um sentimento de confiança, do reconhecimento, do entendimento que fez me acreditar mais em mim própria e enfrentar com sucesso os novos desafios. O Eduardo reconheceu logo a minha área de interesse e estimulou o meu desenvolvimento. Ao mesmo tempo dou-me muita liberdade que fez o processo de aprendizagem muito mais agradável. Graças a sua atitude não tinha medo de cometer erros e propor coisas que, provavelmente, muitas vezes não faziam muito sentido. 

Os meus problemas com a coluna passaram a ser mais uma lição. Ao acabar o meu SVE vou a ginásio pelo menos 3 vezes por semana e faço regularmente exercícios em casa. Descobri também meditação que ajudou-me imenso em lidar com o estresse e pus todas as experiências numa perspectiva. Volto a Polónia mais calma, mais independente, mais contente comigo mesma e mais em paz com o mundo ao redor. Volto como um “vencedor”. ;)


Neste textinho falei só de mim mesma, mas o SVE não é uma experiência solidária, muito pelo contrário. São as pessoas de cá (outros voluntários, mentores, coordenadores, a equipa da Spin, a equipa da Junta de Freguesia, moradores de Carnide, treinadores de cursos de chagada e mid-term, desconhecidos encontrados aqui e ali – dezenas de nomes que eu não vou enumerar por ter medo de me esquecer de alguém) que me apoiaram neste processo de descobreta e de autoconhecimento. Sem cada um de vocês, a minha experiência não seria tão enriquecedora. À todos que encontrei pelo caminho dedico esta famosissima canção polaca de Czesław Niemen “Sen o Warszawie/Sonho sobreVarsóvia”. Obrigada por terem-me acolhido. Agora é a vossa vez! Venham a minha terra, estou lá a vossa espera!

Tradução: 
“Sonho sobre Varsóvia” 
(…) Se quiseres ver 
Vístula ao nascer do sol, 
Parte comigo hoje para lá. 
Vais ver com os teus olhos 
como Varsóvia 
nos acolherá. 

Eu como tu, 
Tenho a minha cidade, e nela 
O meu mundo mais belo, 
Os dias mais bonitos, 
Deixei ali os meus sonhos coloridos (...).

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